“É preciso valorizar as competências dos profissionais de Odontologia na produção de saúde”, afirma Coordenadora-Geral de Saúde Bucal
Em entrevista ao Conselho Federal de Odontologia (CFO), a Coordenadora-Geral de Saúde Bucal, do Ministério da Saúde, Caroline Martins, destaca o trabalho desenvolvido à frente da pasta, há dois meses. A Cirurgiã-Dentista evidencia as prioridades de gestão e as iniciativas adotadas para readaptação do atendimento odontológico seguro na rede pública de saúde, considerando o atual momento da pandemia.
Caroline Martins é mestre em Saúde Coletiva, especialista em Gestão da Atenção Básica e em Residência Multiprofissional em Saúde da Família. No Ministério da Saúde, a Cirurgiã-Dentista é Analista Técnica de Políticas Sociais do Departamento de Atenção Básica (servidora pública), desde 2013.
Em comunhão e integração com toda a rede que integra o Sistema Único de Saúde, que a Coordenação-Geral de Saúde Bucal focou sua atuação na Pandemia, contribuindo com a produção de documentos de orientação para a prevenção, contenção e manejo do agravo; consultando constantemente as evidências e conhecimento acumulado acerca da covid-19 e sua repercussão sobre a saúde bucal; mobilizando os gestores municipais e estaduais para identificar suas principais dificuldades com a organização dos serviços de saúde bucal; e também, consultando os conselhos de classe e conjunto de entidades que contribuem para o fortalecimento da saúde bucal da população brasileira quanto aos desafios da saúde bucal nesse contexto.
Como frutos dessas contribuições podem ser citadas: a elaboração de Notas Técnicas (Nota Técnica CGSB/DESF/SAPS/MS nº 09 e nº 16/2020) orientando a organização local dos serviços de saúde bucal; a disponibilização de materiais de suporte para o manejo clínico da condição; a orientação sobre a competência do cirurgião-dentista para a realização de procedimento relacionado ao diagnóstico da covid-19 (Nota Técnica Nº1 CGSB/DESF/SAPS/MS) a e a colaboração com a implementação de medidas de ampliação do acesso, dimensionamento de quantitativo de equipamentos de proteção individual para envio aos estados e municípios, entre outras ações.
O momento atual é de reconhecimento e fortalecimento dos esforços que foram realizados até aqui, e de valorização das competências dos profissionais de saúde bucal no contexto da produção de saúde, profissionais que foram fundamentais para a estruturação de ações de enfrentamento à pandemia, em nível federal, estadual e municipal, e em toda a rede de atenção à saúde. A saúde bucal é parte indissociável da saúde das pessoas, e na mesma medida, os profissionais de saúde bucal integram o conjunto dos profissionais de saúde que deram o melhor de si durante todos esses meses de Pandemia, em respeito, compromisso e valorização da vida das pessoas.
Além da reverência e agradecimento a toda essa mobilização, a Coordenação Geral de Saúde Bucal tem como prioridade nesse momento, no tocante à covid-19, a elaboração e disponibilização de um Guia de Orientação à Atenção Odontológica no Contexto da Pandemia, associada à formulação de estratégias que contribuam para sua implementação, tais como a definição de incentivos financeiros adicionais para implementação das recomendações.
Nesse período, fazem parte ainda das nossas prioridades, a identificação e análise dos efeitos da pandemia sobre os atendimentos às demandas de saúde bucal. Nessa direção, queremos estruturar um plano e incentivos financeiros associados que induzam a organização local para a prevenção do acúmulo de demandas e exposição ao risco de agravamento de condições de saúde bucal e sistêmicas, decorrentes do adiamento das ações de assistência odontológica.
Vale destacar que a celebração dos 30 anos da promulgação da Lei 8080, se dá no mesmo ano em que a saúde bucal celebra os 20 anos da inserção da saúde bucal nas equipes de saúde da família do Sistema Único de Saúde. A valorização e fortalecimento dessa inserção é uma das ações de celebração dos 30 anos de SUS e dos 20 anos de saúde bucal na Saúde da Família.
Entre as medidas programadas para o fortalecimento da saúde bucal na saúde da família, posso citar o reajuste de 10% do recurso de custeio das equipes de saúde bucal, que estava estagnado desde 2012, e se deu através da publicação da Portaria 2305, de 31 de agosto de 2020; a previsão de credenciamento de novas equipes de saúde bucal para esse ano; a produção de 22 linhas de cuidado para suporte e fortalecimento da clínica de saúde bucal na Atenção primária à saúde; a inserção do atendimento odontológico no pré-natal a partir do componente de desempenho do Previne Brasil-programa de financiamento da Atenção Primária à Saúde baseado na responsabilização pelas pessoas e na melhoria do desempenho, entre outras medidas.
Vale lembrar que a saúde bucal é parte indissociável do cuidado da saúde das pessoas, e sua inserção na saúde da família contribui para o fortalecimento dos atributos da Atenção Primária à Saúde, com especial destaque para a integralidade da atenção, na medida em que, não somente é disponibilizado para a população a resolução de mais de 80% dos problemas de saúde bucal, como são evitados os agravamentos de problemas sistêmicos de curso crônico ou agudo.
Estamos em etapa de conclusão do Guia de Orientações para Atenção Odontológica no Contexto da COVID-19, elaborado com contribuições do CFO. A proposta é que o Guia reforce e atualize algumas das orientações constantes na Nota Técnica nº 16/2020-CGSB/DESF/SAPS/MS.
O Guia foi construído a partir da análise de revisões sistemáticas de medidas adotadas em países de todo o mundo, e guias de orientação produzidos pela American Dental Association (ADA), pelo Center for Disease and Control (CDC), pelo National Health Service (NHS), e em colaboração com pesquisadores, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e CFO.
O Guia tem o objetivo de orientar a organização dos serviços na ponta, a partir de parâmetros que considerem o cenário epidemiológico local, os riscos individuais e coletivos envolvidos na produção do cuidado em saúde bucal e uma categorização e priorização dos tipos de atendimentos a serem realizados. Desse modo, mitigamos o risco de exposição ao vírus de profissionais e usuários, e orientamos a realização dos atendimentos centrados nas necessidades das pessoas no tempo, lugar e modos certos.
A rede de atenção à saúde bucal, como todas as redes de atenção à saúde orientadas por um funcionamento mais efetivo, é coordenada pela Atenção Primária à Saúde, na medida em que é a APS que tem sua atuação pautada na responsabilização pelas pessoas, e conhecimento e compromisso com seu itinerário terapêutico e resolução de seus problemas de saúde. É na APS, que o SUS expressa sua maior capilaridade, e tem potencial de resolver mais de 80% dos problemas de saúde da população.
Nessa direção, são parte fundamental da Atenção Primária à Saúde as equipes de saúde bucal, que hoje representam mais de 27.000 equipes implantadas em todo o país, e cobrindo 43% da população brasileira. Contudo, considerando que temos mais de 60% dos brasileiros cobertos pela Atenção Primária à Saúde a partir de equipes de saúde da família e aps, destaca-se o desafio de prover atenção em saúde bucal às pessoas que tem o cuidado limitado pelas cerca de 15.000 equipes da APS que não contam com a saúde bucal. Num contexto de expansão de condições crônicas com íntima relação com o cuidado em saúde bucal, o desafio é mobilizar recursos e engajar gestores municipais para apoiar a chegada da saúde bucal a todas as pessoas assistidas na APS.
Além da APS, para a oferta de uma atenção de fato integral, a rede de atenção à saúde bucal conta ainda com os Laboratórios de Prótese Dentárias e com os Centros de Especialidades Odontológicas. Os Laboratórios de Prótese Dentárias, que hoje são mais de 2.800, representam o suporte laboratorial para a produção de prótese dentárias removíveis e fixas à uma população que ainda apresenta grande carga de perdas dentárias com impactos diversos sobre suas vidas. O desafio é revisitar o funcionamento desses serviços de modo a expandi-los e assegurar que essa reabilitação, de cunho sanitário, mas muitas vezes, social, psicológica e econômica, se dê de modo satisfatório.
Os Centros de Especialidades Odontológicas, hoje totalizando cerca de 1.170 serviços, ofertam cinco especialidades mínimas que atendem aos maiores gargalos e necessidades de atenção ambulatorial especializada no SUS. Contudo, ainda representam uma escassa oferta desse tipo de atenção, comprometendo a integralidade do cuidado de saúde bucal das pessoas. Os desafios para o fortalecimento da estratégia, passam pela sua expansão, pela avaliação da qualidade e efetividade da atenção ofertada, pela ampliação de sua articulação com a APS e revisão do modelo de financiamento, de modo a atender alguns dos desafios destacados.
Embora a implantação desses pontos de atenção da rede já constitua um grande avanço da oferta de atenção à saúde bucal no SUS, a rede ainda carece de organização de diretrizes para a atenção terciária, a ser trabalhada e estruturada no âmbito da política de saúde bucal.
A saúde bucal, no âmbito federal, apresenta um orçamento na casa dos R$ 1,4 bilhões, destinados ao financiamento tripartite desses pontos de atenção, e também para a estruturação de ações fortalecimento de saúde bucal no SUS. Se comparado com 2012, o orçamento voltado para a política de saúde bucal teve uma ampliação de 67%, e o desafio é a promoção de melhorias do modelo de financiamento que resultem na melhoria e valorização dos recursos públicos destinados à saúde bucal, e essencialmente, na melhoria de condições de saúde da população.
Em função da Pandemia, o Levantamento Epidemiológico Nacional de Saúde Bucal 2020, teve a etapa de campo adiada. Contudo, o adiamento dessa etapa em específico, não paralisou todo o trabalho envolvido na realização desse trabalho fundamental para termos o retrato da situação de saúde bucal dos brasileiros. A CGSB celebrou cooperação com a Universidade Federal de Minas Gerais, e conta com a colaboração de referências da saúde bucal coletiva para sua consecução.
O levantamento revelará as condições de saúde bucal de cerca de 40 mil pessoas, e poderá atualizar e evidenciar as necessidades e avanços nas condições de saúde bucal da população, subsidiando a política de saúde bucal e o conjunto de estratégias do SUS relacionadas. Em dezembro de 2019, o projeto foi submetido à consulta pública, finalizada em março; o relatório da consulta encontra-se disponível na página (Clique aqui). Enquanto a etapa de coleta passa por reanálise do período recomendado para sua realização, vêm sendo realizadas etapas como a calibração dos examinadores, elaboração de manuais de campo, entre outras atividades.
A Coordenação Geral de Saúde Bucal vem recebendo e analisando as proposições legislativas de âmbito municipal, estadual e federal, de modo a contribuir com elementos para subsidiar o processo legislativo que apresentam relação com a oferta de atenção à saúde bucal. Essa é parte das atribuições da CGSB, mas não resume o conjunto de ações a serem realizadas pela coordenação no tocante à inserção e organização da odontologia na atenção terciária.
A CGSB, em conjunto com áreas do Ministério da Saúde responsáveis pela gestão da política de atenção hospitalar, tem enviado esforços para analisar os elementos necessários para a estruturação da atenção à saúde bucal na atenção terciária, processo esse que envolve a atenção à saúde bucal nas emergências hospitalares, nas Unidades de Terapia Intensiva e nos leitos hospitalares em geral. O desafio é grande, e deverá ser organizado de modo integrado a outras áreas ministeriais, a fim de superar gargalos na estruturação da atenção à saúde bucal em ambiente hospitalar.
Quanto à flexibilização da carga horária de atuação dos Cirurgiões-Dentistas na APS, foi publicada em 2019 a Portaria Nº 2539/2019, regulamentando o custeio de equipes de saúde bucal cuja carga horária individual dos dentistas totalizam 30 horas ou 20 horas. Considerando-se que o modelo de atenção prioritário da APS é a Saúde da Família, cuja dedicação do dentista corresponde às 40 horas semanais e, portanto, com maiores condições de ofertar o cuidado longitudinal e com maior vínculo às pessoas, o custeio dessas equipes é proporcionalizado à capacidade de cobertura, correspondendo, a 75% e 50%, respectivamente, do recurso das equipes de saúde bucal 40 horas. A publicação amplia a possibilidade de expansão das equipes de saúde da família e aps que contam com a saúde bucal. Vem sendo programada a publicação do credenciamento dessas equipes para esse ano.
Além da implementação dessa melhoria, e sua repercussão sobre a ampliação do acesso e melhoria da atenção na APS, a CGSB apresenta ainda como agendas: a revisão das diretrizes de funcionamento e financiamento dos CEO e dos laboratórios de prótese; a integração da vigilância e atenção em saúde bucal; o fortalecimento das ações de screening do câncer de boca na APS; o fortalecimento da clínica na APS; o fortalecimento das ações de formação para o SUS; a formulação de diretrizes para a atenção terciária em saúde bucal; a revisão das estratégias vinculadas à fluoretação; a revisão das tecnologias disponíveis para aperfeiçoamento das ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação em saúde bucal; e a revisão da política nacional de saúde bucal.
Para todas essas agendas, a CGSB realizará a articulação e discussão com os diversos atores implicados com a melhoria da saúde bucal da população brasileira, incluindo nesse âmbito, os gestores municipais e estaduais do SUS, o controle social, o CFO, outras entidades representativas de classe, organizações e associações vinculadas à política de saúde bucal, e instituições de ensino e pesquisa.
Espero seguir contando com a disponibilidade e espaço concedido pelo CFO para contribuir com a melhoria da saúde das pessoas, e engajar e envolver todos os profissionais diretamente envolvidos e imprescindíveis para essa melhoria.
Por Michelle Calazans, Ascom CFO.